Há três semanas comecei a pensar
sobre o próximo Jogos Olímpicos. Será o de inverno, eu sei, porém ainda sim
manifesta e absorve as intempéries político-econômicas mundiais com óbvias
consequências sociais. Além do mais, afim de aperfeiçoar meu objeto de estudo,
sendo desenvolvido há longos cinco anos (https://outrafacedoesporte.blogspot.com.br/2017/03/atletas-independentes-olimpicos-e.html),
decidi antecipar algumas coletas de dados referentes aos atletas que competem
os Jogos sem uma nacionalidade, por já entender que poderia vir uma nova
delegação olímpica não nacional em PyeongChang-2018.
O que foi previsto era o
inevitável. Depois de alguns press
releases do Comitê Olímpico Internacional divulgando penalidades para
atletas russos dopados que ganharam medalhas e/ou participaram dos Jogos de
Sochi – 2014, a maior das penalidades veio: a suspensão do Comitê Olímpico
Nacional Russo de qualquer evento olímpico, assim como, o descredenciamento de
qualquer chefe de Estado russo nas gerências, reuniões e organizações do COI. Consequência
do esquema de doping estatal (é assim que chamo, mas você irá ler o doping
sistemático por ai) revelado por grandes investigações. Doping estatal porque
envolveu toda a cúpula esportiva russa, o Ministro dos Esportes e inclusive o
Presidente Putin.
A abordagem aqui, portanto, não
será a discussão sobre Doping no esporte (tema para outro dia), não será sobre
se é certo ou não a punição para a Rússia ou simples relato de desdobramentos
futuros. O que será discutido é a forma com que o Comitê Olímpico Internacional
divaga, intermedia e resolve conflitos de mesma magnitude e suas possíveis
consequências. Para isso, me pautarei no conceito de “tradição inventada” de
Hobsbawm e Ranger. Tradição Inventada é entendida como um conjunto de práticas
normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas; tais práticas,
de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de
comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente: uma continuidade
em relação ao passado (1997, p. 10).
Sem mais delongas, a continuidade
em relação ao passado (primeira tratativa da tradição inventada) referente à
punição da Rússia é o dualismo que foi observado no período da Guerra Fria. A
mão punitiva e pesada dos Membros do Comitê Executivo do COI para um lado do
antigo bloco não é, nem de longe, a mão suave e parceira que cumprimenta o
bloco oposto. Isso se valeu naquele período e vale para esse pois as
investigações e punições de casos de doping, usado massivamente no próprio
período da Guerra Fria por ambos os lados para conquistar as batalhas não ocorridas
no âmbito militar, são “caolhas” dependendo da localidade e nacionalidade dos
casos. Longe de mim de pensar que a punição para a Rússia foi injusta ou
desnecessária, até porque o próprio Presidente Russo admitiu a culpa (http://espn.uol.com.br/post/748457_depois-do-sorteio-da-copa-e-da-suspensao-olimpica-um-anuncio-de-reeleicao)
porém, excluir uma nacionalidade dos Jogos Olímpicos por doping é inédito e a
pergunta que fica é: aconteceria o mesmo com as nacionalidades de atletas
punidos por doping? Lembrando que houve casos de que apenas atletas foram
punidos e não o alto escalão esportivo e seus governos.
A segunda tratativa da tradição
inventada se dá pelos desdobramentos da punição. Sabe-se que quando uma
nacionalidade é impedida de competir nos Jogos Olímpicos pelo COI, os atletas
das respectivas nações não são postos no mesmo bojo dos ônus sofridos por seus
dirigentes (http://outrafacedoesporte.blogspot.com.br/2016/07/a-diferenca-entre-os-atletas-refugiados.html).
Esse fato criado após 1992, justamente com o fim da Guerra Fria, permitiu a
esses atletas a participação nos Jogos sem sua bandeira nacional, mas sim, pela
bandeira e hino do Comitê Olímpico Internacional. São eles, os Atletas
Independentes Olímpicos e mais recente, o Time de Refugiados Olímpicos. Entretanto,
quando tal impedimento atingiu e atinge a Rússia, ele é historicamente
analisado, discutido e ponderado de maneira particular.
O primeiro acontecimento foi nos
Jogos Olímpicos de 1992 com a criação da delegação olímpica Unified Team
representando a Comunidade dos Estados Independentes (CEI)[1]. Desta forma, o Unified
Team foi composto por cinco antigos membros da URSS: Rússia, Ucrânia, Belarus,
Cazaquistão e Uzbequistão. Contudo, para reforçar a independência desses
membros e a legitimação do fim da URSS, para as vitórias de equipes coletivas
do Unified Team, o hino a ser tocado e a bandeira a ser hasteada deveriam ser
do COI, enquanto que, para as vitórias em modalidades individuais, o hino e a
bandeira a ser hasteada seria o do próprio Estado-nação, além da permissão do
emblema de cada ex-membro da URSS estar presente na manga dos uniformes dos
seus representantes nacionais.
Entendo que a CEI, representada
pelo Unified Team, não é uma das delegações de Atletas Independentes Olímpicos
(IOA) em detrimento de símbolos nacionais serem representados, embora com
limitações e, por entender que a CEI é reconhecida pela Comunidade
Internacional tendo seu papel como bloco econômico, já que algumas
nacionalidades que compuseram a delegação dos IOA, não tinham o reconhecimento
pela Comunidade Internacional. Ou seja, por mais que sejam semelhantes alguns
preceitos com os IOA, o Unified Team não foi constituído pelos mesmos
precedentes e sim apenas reconhecido pelo COI por uma questão de se adequar ao
contexto em que vivia as nacionalidades da ex-URSS. Além do mais, vale
ressaltar a importância que a antiga URSS oferecia aos Jogos Olímpicos em
detrimento de resultados esportivos (ela, mesmo já extinta, ocupa o segundo
lugar no quadro de medalhas geral dos Jogos Olímpicos de Verão com 1010
medalhas no total), de modo que o COI permitiu então a participação de seus
atletas sob a égide de uma delegação diferente das nacionais e até mesmo dos
IOA.
O segundo acontecimento, e agora
mais sério quando se refere ao âmbito esportivo (considerando o doping como o
maior assalto ao Movimento Olímpico), eu esperava que com a suspenção do Comitê
Olímpico Nacional Russo por doping, a atenuação para os atletas russos considerados
limpos (que nunca foram pegos em exames antidopings, não compactuavam com o
doping estatal e aqueles considerados limpos por exames previstos antes de
PyeongChang-2018), tivessem o mesmo tratamento daqueles atletas dos quais suas
representações nacionais foram impedidas da mesma forma (Iugoslávia, Timor
Leste, Antilhas Holandesas, Sudão do Sul, Índia e Kuwait) e que foram denominados
de Independentes Olímpicos. Lembrando que os Refugiados Olímpicos têm os mesmos
preceitos, porém, o contexto social deles e delas são diferentes. Contudo, o COI determinou que os atletas
russos considerados limpos irão disputar, sejam eles/elas de esportes coletivos
ou individuais, por uma delegação olímpica não nacional, representados pela
bandeira e hino do COI, chamada de “Olympic Athlete from Russia (OAR)” (https://www.olympic.org/news/ioc-suspends-russian-noc-and-creates-a-path-for-clean-individual-athletes-to-compete-in-pyeongchang-2018-under-the-olympic-flag).
Ou seja, novamente as resoluções de conflitos e punições sancionadas pelo COI
tramitam por um modus operandi de extremo dois pesos e duas medidas em relação
aos membros nacionais. E cabe a pergunta, por que o não uso de tal delegação
não-olímpica, os Atletas Independentes Olímpicos, para os russos? Já que a
criação de tal delegação tem o propósito de permitir a participação de atletas
que, por consenso, não poderiam ser punidos coletivamente.
Portanto, tais argumentos citados
aqui provam que o desempenho esportivo, gerando resultados expressivos em
edições olímpicas, obtém uma maior atenção por parte de quem gere e comanda os
Jogos Olímpicos e o Comitê Olímpico Internacional. Outro fator importante é a
força política e econômica que determinada nacionalidade infere nas finanças do
COI é o que faz tais punições ou resoluções serem atenuadas, como um bate e afaga.
- Tradição inventada é a Rússia
tentar novamente alcançar o patamar e o poder que possuíam quando era URSS e
para isso se utiliza de megaeventos esportivos (Sochi-2014 e a Copa do
Mundo-2018).
- Tradição inventada é alguns
aspectos da Guerra Fria voltarem para frear a ambição russa e talvez o maior
exemplo disso é a especulação da intervenção nas eleições norte americanas.
- Tradição inventada é a Rússia novamente
ser a exceção da exceção com essa nova delegação em PyeongChang-2018.
HOBSBAWM, E.; RANGER, T. A Invenção das
tradições. 2 ed. São Paulo: Paz e Terra S.A, 1997.
[1] Resultante do ocaso da
União Soviética em 1991, a CEI foi criada com o intuito de ser uma Organização
intergovernamental de caráter internacional muito semelhante a outros blocos
econômicos como a União Europeia e o MERCOSUL. Formada em 8 de dezembro de 1991
por oito países oriundos da ex-URSS, o principal trunfo dessa Comunidade foi o
desenvolvimento institucional de uma multiplicidade de regimes jurídicos entre
diferentes categorias de Estados participantes. Outro fator relevante é a
prevalência e o fornecimento da soberania nacional de cada Estado participante.
Ou seja, a CEI foi criada para justamente servir como um período de transição
até que as economias dos antigos membros soviéticos fossem recuperadas.