Páginas

19/07/2016

A diferença entre os Atletas Refugiados Olímpicos (ROA) e os Atletas Independentes Olímpicos (IOA)

Desde sua criação, em 1894, o Comitê Olímpico Internacional tenta ser maior que os acontecimentos políticos que envolvem os seus membros nacionais com apenas um artefato: a promoção da paz entre as nações utilizando da razão e não das armas para a resolução de conflitos. E não necessita dizer que esse princípio da pacificidade, por meio do esporte, fora deixado de lado ao longo das edições olímpicas do século XX. A título de conhecimento: as duas Grandes Guerras Mundiais, a Guerra Fria, o Apartheid na África do Sul e tantos outros casos totalitários.

Mesmo assim, os Jogos continuaram sendo realizados, criando heróis, fracassos, histórias horríveis de serem lembradas e histórias totalmente passíveis de serem veneradas. E foi no momento que o contexto histórico, final da década de 80 e começo de 90, exigia mais profissionalismo e acima de tudo, posicionamentos políticos do COI em relação aos acontecimentos e processos políticos externos, que as atitudes pacíficas do COI e seu poder hegemônico global foram reconhecidos e obtidos pela comunidade internacional.

Uma dessas atitudes foi a criação de inéditas delegações olímpicas, como foi o caso dos Atletas Refugiados Olímpicos (ROA) e dos Atletas Independentes Olímpicos (IOA). Ambas são definidas como uma delegação olímpica de caráter raro e uma exceção por justamente não representar símbolos nacionais de uma específica nacionalidade num evento que chega a reunir 206 nações. Ou seja, são delegações não nacionais que competem sob a bandeira e o hino olímpico criadas a partir de conflitos e processos políticos que proíbem e dificultam a participação de atletas nos Jogos.

Tais criações evidenciam novos padrões, comportamentos e criação de grupos globais nos dias atuais, além de mostrar o poder que o COI possui para propagar seus princípios pacíficos.



As aparições dessas delegações com a denominação de Atletas Independentes Olímpicos foram nos Jogos Olímpicos de verão em Barcelona, 1992 (Guerra civil na ex-Iugoslávia), Sidney, 2000 (Independência do Timor Leste), Londres, 2012 (Independência do Sudão do Sul e o não reconhecimento das Antilhas Holandesas como um país) e nos Jogos Olímpicos de inverno em Sochi, 2014 (Punição a Índia pela corrupção no seu Comitê Olímpico). Já a única delegação com a denominação de Atletas Refugiados Olímpicos, até o momento, será no Rio-2016. Então, se possuem a mesma definição, os mesmos propósitos e representam os mesmos símbolos, como elas podem ser diferentes? A resposta refere-se a questão de possuir ou não nacionalidades válidas.

Por mais que o COI permite atletas de participarem dos Jogos sem uma nacionalidade, o que ele mais privilegia e possui como um dos seus sólidos pilares são as representações nacionais. Isso porque refere-se a uma competição entre nações. Assim, quem compete como Independente Olímpico, é detentor de sua nacionalidade, porém não podendo representá-la nos Jogos. Isto é, o atleta não abre mão de sua cidadania/de sua nacionalidade para competir nos Jogos, mas sim, há a omissão de seus símbolos nacionais substituídos pelos símbolos do COI.

Entretanto, quem compete como Refugiado Olímpico, não é detentor de sua nacionalidade de origem, quanto menos de sua nacionalidade onde o mesmo está instalado. Isto é, eles são apátridas como nos afirma Hannah Arendt em “Origem do Totalitarismo”, ao passo que esse atleta fugiu e abdicou de sua nacionalidade natal e não tem uma nacionalidade válida (cidadania/naturalização) no país que o acolheu. Isso era muito comum com judeus na Segunda Guerra Mundial e está sendo escancarado nos dias atuais com a Síria, países do Oriente Médio e do continente africano. Desta forma, será a primeira vez que atletas sem uma nacionalidade válida participarão dos Jogos.

E como forma de se ater aos processos e conflitos políticos e ter sua hegemonia global adquiria, o COI institucionaliza essas duas delegações.

Por fim, para usar uma metáfora pessoal, os Atletas Refugiados Olímpicos e os Atletas Independentes Olímpicos são equiparados a irmãos gêmeos. Possuem a mesma criação, os mesmos precedentes, as mesmas finalidades, representam os mesmos símbolos, porém evidenciam cada particularidade e individualidade de quem participa. Além do mais, vale pensar sobre o conceito de Anomia de Emile Durkheim como outro meio de diferenciação. Anomia significa, em modo simples de pensar, a negação de uma identidade, nesses casos seriam as identidades nacionais. Assim, podemos caracterizar como não anômicos os Atletas Independentes Olímpicos e anômicos os Atletas Refugiados Olímpicos.

Caso ganhem uma medalha, em ambas delegações, a bandeira a ser hasteada é a Olímpica (cinco anéis) e o hino a ser tocado é o hino olímpico.

Será no Rio-2016, a primeira vez que duas delegações olímpicas não nacionais participarão dos Jogos. Os ROA é composto por 10 atletas refugiados e os IOA até então com 9 atletas do Kuwait, pela suspensão do seu Comitê Olímpico Nacional por causa da interferência do governo nas diretrizes do mesmo. Aliás, sobre esse caso, umas das soluções oferecidas aos russos foi a participação como Atletas Independentes Olímpicos. Solução essa que foi prontamente recusada pelos próprios russos e de certa forma pelo COI por não permitir o banimento de toda a delegação. Esse não banimento foi sim uma decisão política do COI e justa, pois banir a Rússia dos Jogos, sem uma análise mais complexa e a longo prazo, seria abrir a caixa de pandora da Guerra Fria. 

PS: Os Atletas Independentes Olímpicos foram meu principal tema na graduação e no Mestrado. E mais informação sobre os Refugiados Olímpicos encontra-se aqui: https://www.olympic.org/news/refugee-olympic-team-to-shine-spotlight-on-worldwide-refugee-crisis.   

05/07/2016

As formas de cantar os hinos nacionais no âmbito esportivo

Possuo uma monografia e uma dissertação de mestrado que dentre outros temas, abordam a construção e o estabelecimento das ideologias e sentimentos nacionais, assim como, o abalo nas estruturas de sentir e viver essas nacionalidades em tempos globais. Venho repetindo costumeiramente essas afirmações/teses aqui no blog pois há inúmeros acontecimentos atuais que evidenciam isso ou necessitam de melhor debruçamento histórico e teórico.

Da mesma forma que alavanco a decadência dos valores e sentimentos nacionais em detrimento das novas formas de comportamentos globais, é notório que no ambiente esportivo e tão somente nele, por meio das competições internacionais, se revela como um campo de refúgio para que os sentimentos nacionais possam ser exaltados. Muito porque ainda se tratam de embates esportivos entre nações, bem como, há a exaltação de seus símbolos.

E uma das exaltações tão vivas, presentes e institucionalizadas nas competições esportivas é a execução de hinos nacionais. E quero discorrer hoje sobre como as formas de cantar os hinos nacionais nos esportes, nos mostram como foram construídos os respectivos Estados nacionais (por mais que isso possa ser redundante).



A construção dos Estados nacionais na Europa foram, acima de tudo, consequências de algumas revoluções, conflitos e principalmente guerras. Alguns acontecimentos podem ser citados, como a Revolução Francesa, as Revoluções Democráticas de 1848, as duas Grandes Guerras Mundiais, a eclosão da Iugoslávia e da União Soviética e por final e talvez a mais preponderante no que se trata de sistema político e econômico e a legitimação do poder nacional, a Revolução Industrial. E é claro que por intermédio de tudo isso, os sentimentos nacionais europeus são mais acalorados, fortes e temerários do que outros continentes por envolver mortes, ódio ao que é estrangeiro, ideologias de superioridades raciais e etc.

É por isso que em competições europeias, na execução dos hinos nacionais, a cantoria da torcida, dos atletas, das comissões e dos chefes de Estados, é feita a plenos pulmões. Não só para demonstrar a força de sua nacionalidade ou empurrar a seleção para uma possível vitória, mas sim, o ódio histórico que envolve o continente assolado por guerras e conflitos de ordem nacional e racial. É bonito de ser ver sim, concordo. Mas repito e com a colaboração de Hannah Arendt, nem só de Nacionalismo cívico (aquele nacionalismo criador de costumes, tradições e cidadania) vive o mundo. Há entretanto, o Nacionalismo tribal ou chauvinista (aquele que ocasiona conflitos e xenofobismo).    

Em contrapartida, não é surpresa para ninguém que os Estados nacionais, no continente americano, tenham obtido sua soberania e autonomia nacional por meio de processos de independências dos próprios Estados europeus. É evidente que algumas dessas independências foram por meio de conflitos armados e outras por acordos entre colonizadores e colonizados, mas o fato é que não houve tanto ódio ao que é estrangeiro como na Europa. E a soberania conseguida é totalmente contextualizada nos hinos nacionais, predominantemente na América do Sul, onde todos os hinos contém a palavra “liberdade”. É com essa finalidade que são cantados os hinos nacionais em competições no continente, um grito de liberdade, um grito de soberania, diferentemente da tentativa de intimidação e supremacia da Europa.


Portanto, o ato de cantar o hino nacional é um ato de cidadania mesmo que pareça o mínimo de civismo praticado por nós. Entretanto, como uma tradição inventada e construída historicamente, é impossível não lembrar e sentir a forma como nosso respectivo Estado nacional foi construído, trazendo à tona os feitos, as bondades e até mesmo os mais capciosos sentimentos no momento da cantoria.