Desde sua criação, em 1894, o
Comitê Olímpico Internacional tenta ser maior que os acontecimentos políticos
que envolvem os seus membros nacionais com apenas um artefato: a promoção da
paz entre as nações utilizando da razão e não das armas para a resolução de
conflitos. E não necessita dizer que esse princípio da pacificidade, por meio
do esporte, fora deixado de lado ao longo das edições olímpicas do século XX. A
título de conhecimento: as duas Grandes Guerras Mundiais, a Guerra Fria, o
Apartheid na África do Sul e tantos outros casos totalitários.
Mesmo assim, os Jogos continuaram
sendo realizados, criando heróis, fracassos, histórias horríveis de serem lembradas
e histórias totalmente passíveis de serem veneradas. E foi no momento que o
contexto histórico, final da década de 80 e começo de 90, exigia mais
profissionalismo e acima de tudo, posicionamentos políticos do COI em relação
aos acontecimentos e processos políticos externos, que as atitudes pacíficas do
COI e seu poder hegemônico global foram reconhecidos e obtidos pela comunidade
internacional.
Uma dessas atitudes foi a criação
de inéditas delegações olímpicas, como foi o caso dos Atletas Refugiados
Olímpicos (ROA) e dos Atletas Independentes Olímpicos (IOA). Ambas são
definidas como uma delegação olímpica de caráter raro e uma exceção por
justamente não representar símbolos nacionais de uma específica nacionalidade
num evento que chega a reunir 206 nações. Ou seja, são delegações não
nacionais que competem sob a bandeira e o hino olímpico criadas a partir de
conflitos e processos políticos que proíbem e dificultam a participação de
atletas nos Jogos.
Tais criações evidenciam novos
padrões, comportamentos e criação de grupos globais nos dias atuais, além de
mostrar o poder que o COI possui para propagar seus princípios pacíficos.
As aparições dessas delegações com
a denominação de Atletas Independentes Olímpicos foram nos Jogos Olímpicos de
verão em Barcelona, 1992 (Guerra civil na ex-Iugoslávia), Sidney, 2000
(Independência do Timor Leste), Londres, 2012 (Independência do Sudão do Sul e
o não reconhecimento das Antilhas Holandesas como um país) e nos Jogos Olímpicos
de inverno em Sochi, 2014 (Punição a Índia pela corrupção no seu Comitê
Olímpico). Já a única delegação com a denominação de Atletas Refugiados
Olímpicos, até o momento, será no Rio-2016. Então, se possuem a mesma
definição, os mesmos propósitos e representam os mesmos símbolos, como elas
podem ser diferentes? A resposta refere-se a questão de possuir ou não
nacionalidades válidas.
Por mais que o COI permite
atletas de participarem dos Jogos sem uma nacionalidade, o que ele mais
privilegia e possui como um dos seus sólidos pilares são as representações
nacionais. Isso porque refere-se a uma competição entre nações. Assim, quem
compete como Independente Olímpico, é detentor de sua nacionalidade, porém não
podendo representá-la nos Jogos. Isto é, o atleta não abre mão de sua cidadania/de
sua nacionalidade para competir nos Jogos, mas sim, há a omissão de seus
símbolos nacionais substituídos pelos símbolos do COI.
Entretanto, quem compete como
Refugiado Olímpico, não é detentor de sua nacionalidade de origem, quanto menos
de sua nacionalidade onde o mesmo está instalado. Isto é, eles são apátridas
como nos afirma Hannah Arendt em “Origem do Totalitarismo”, ao passo que esse
atleta fugiu e abdicou de sua nacionalidade natal e não tem uma nacionalidade
válida (cidadania/naturalização) no país que o acolheu. Isso era muito comum
com judeus na Segunda Guerra Mundial e está sendo escancarado nos dias atuais
com a Síria, países do Oriente Médio e do continente africano. Desta forma,
será a primeira vez que atletas sem uma nacionalidade válida participarão dos Jogos.
E como forma de se ater aos
processos e conflitos políticos e ter sua hegemonia global adquiria, o COI
institucionaliza essas duas delegações.
Por fim, para usar uma metáfora
pessoal, os Atletas Refugiados Olímpicos e os Atletas Independentes Olímpicos
são equiparados a irmãos gêmeos. Possuem a mesma criação, os mesmos
precedentes, as mesmas finalidades, representam os mesmos símbolos, porém
evidenciam cada particularidade e individualidade de quem participa. Além do mais, vale pensar
sobre o conceito de Anomia de Emile Durkheim como outro meio de diferenciação.
Anomia significa, em modo simples de pensar, a negação de uma identidade,
nesses casos seriam as identidades nacionais. Assim, podemos caracterizar como
não anômicos os Atletas Independentes Olímpicos e anômicos os Atletas
Refugiados Olímpicos.
Caso ganhem uma medalha, em ambas
delegações, a bandeira a ser hasteada é a Olímpica (cinco anéis) e o hino a ser
tocado é o hino olímpico.
Será no Rio-2016, a primeira vez que duas delegações olímpicas não nacionais participarão dos Jogos. Os ROA é composto por 10 atletas refugiados e os IOA até então com 9 atletas do Kuwait, pela suspensão do seu Comitê Olímpico Nacional por causa da interferência do governo nas diretrizes do mesmo. Aliás, sobre esse caso, umas das soluções oferecidas aos russos foi a participação como Atletas Independentes Olímpicos. Solução essa que foi prontamente recusada pelos próprios russos e de certa forma pelo COI por não permitir o banimento de toda a delegação. Esse não banimento foi sim uma decisão política do COI e justa, pois banir a Rússia dos Jogos, sem uma análise mais complexa e a longo prazo, seria abrir a caixa de pandora da Guerra Fria.
PS: Os Atletas Independentes
Olímpicos foram meu principal tema na graduação e no Mestrado. E mais
informação sobre os Refugiados Olímpicos encontra-se aqui: https://www.olympic.org/news/refugee-olympic-team-to-shine-spotlight-on-worldwide-refugee-crisis.